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quinta-feira, agosto 21, 2008

Mestre Harada


Coloco aqui esta entrevista, haja vista que o meu primeiro professor de Karatê (Hinata) foi aluno direto de Mestre Harada.
Cesar Estivales

Mitsuzuke Harada nasceu a 16 de Novembro de 1928 na Manchúria. Vive na China até aos nove anos, e quando volta ao Japão (Tóquio) começa a praticar Kendo. Com quinze anos entra para o Shotokan Dojo de Gichin Funakoshi e até a destruição do Dojo em 1943 provocada por um bombardeamento no decorrer da 2ª Guerra Mundial, Harada pratica com frequência o karatê-do, tendo como instrutor Gigo Funakoshi.
O karatê-do reentra na sua vida dois anos mais tarde, onde Harada é aluno de economia na universidade de Waseda, e paralelamente se inscreve no Dojo universitário. O seu instrutor é então Egami, sendo uma vez por semana a aula dirigida por Gichin Funakoshi.
Egami, reparando nas qualidades de Mitsuzuke Harada, convida-o a treinar com ele pessoalmente, convite que Harada aceita e durante dezoito meses, três horas por dia, Harada treina arduamente.
Em 1956, é enviado pelo banco onde trabalha para uma delegação no Brasil, e é aí que Harada a pedido de Funakoshi, funda o "Brasil Shotokan Karatê Dojo". Neste mesmo ano Harada recebe a sua graduação de 5º Dan assinada pelo próprio Gichin Funakoshi.
Em 1963 é convidado a ensinar karatê na França, segue-se depois a Bélgica e Inglaterra, onde Harada fixa residência em 1966 e funda o " Karatê-Do Shotokai da Inglaterra".

Entrevista com Mestre HARADA

Pode ler a entrevista que lhe foi feita em Agosto de 2001, por Jonathan de Claire e que se encontra divulgada no "site" de "SKM".
E também outra entrevista que lhe foi feita em Maio 2002, por Iñigo López Menéndez e que encontra divulgada no "site" de "ASKT", mas como o texto está em espanhol fizemos a tradução, para que possa ser lido aqui em português.

O seguinte texto é uma compilação das conversações mantidas com Sensei Harada na sua visita a Bilbao para dirigir o curso feito na nossa cidade. Tentei centrar-me exclusivamente nos aspectos históricos entre toda a informação que o Mestre teve a generosidade de nos transmitir. A primeira parte pertence exactamente a uma entrevista concedida a um jornal local e está “transcrita directamente da fita gravada, razão porque existe determinada falta de coerência que se deve ao processo da conversação e da tradução e neste momento para manter a entrevista, eu preferi respeitar.

Pode falar-nos seus começos no karate?
MH: Em 1943, durante a guerra, a situação no Japão era muito má, todas as atividades na escola estavam paradas e então mandaram-me para uma fábrica de munições para trabalhar. Durante o dia tinha que trabalhar, mas durante a tarde não havia nada que fazer. Então um companheiro da escola, disse-me que um amigo de seu pai sabia algo de karatê. Essa foi a primeira vez que eu comecei a ter um pouco de interesse. Nessa altura não sabia nada do que era Karate. Então um outro amigo da classe disse-me que havia um ginásio de Karate e deu-me um mapa para lá chegar, era o Dojo Shotokan. O amigo do pai do meu amigo era Yoshitaka Funakoshi. Em Abril de 1945 com os bombardeamentos, o Dojo Shotokan desapareceu. Após ter terminado a guerra, em 1948 o Karatê recomeçou na Universidade de Waseda. Na União Atlética da Universidade de Waseda havia um grupo do Karatê, juntei-me a ele e assim comecei outra vez.

Quantas pessoas estavam no Shotokan?
MH: 30 ou 40 pessoas no máximo. Quando estava no Shotokan, Yoshitaka era o instrutor, ele era filho de Gichin Funakoshi. Gichin Funakoshi tinha chegado em 1922 de Okinawa e introduzido o Karate no Japão. Quando começou, o círculo de Karatê era muito pequeno, mas pouco a pouco foi crescendo. Tive sorte porque a Universidade de Keio interessou-se pelo Karatê. Um professor de Keio era praticante de Karatê com Gichin Funakoshi. Keio foi a primeira Universidade mas naturalmente Waseda que tinha uma rivalidade com Keio, como Oxford e Cambridge, quis também ter seu grupo do Karate. Também, julgo, Takushoku. A primeira foi Keio, a segunda Takushoku e a seguir Waseda. Aquelas três Universidades eram as 3 primeiras e gradualmente pouco a pouco outras como Senshu, Hosei.
Quando o Mestre Funakoshi chegou ao Japão tinha mais de 60 anos, antes tinha sido professor de escola. Originalmente o Karate que ensinou era só Kata, como um sistema de ginástica, os estudantes não estavam muito satisfeitos com isso mas o Mestre Funakoshi sempre queria seguir este método, o kata. Como o Mestre Gichin tinha mais de 60 anos, não podia demonstrar fisicamente de forma correta. Então o grupo original de Funakoshi começou a ir às Universidades e a ensinar como seus assistentes.
O primeiro foi Takeshi Shimoda. Ia a duas universidades, Takushoku e Waseda, principalmente a Waseda. Antes de começar no Karate tinha feito Kendo. Pouco a pouco a sua instrução foi se aproximando do método do kendo. Dado que Gichin veio de Okinawa tratou de fazer um sistema adaptando o Karatê à cultura japonesa. O trabalho em Okinawa era sómente de kata. Nas artes martiais japonesas deve ter-se um oponente. Essa é a razão porque o kumite foi introduzido pouco a pouco no Karate e se foi afastando do original que tinha vindo de Okinawa. Infelizmente em 1934 Shimoda Takeshi morreu de pneumonia. Assim perderam o instrutor principal, esse que ajudava o Mestre, assim Waseda e Takushoku procuraram alguém que o pudesse substituir. Pensaram no filho de Gichin, Yoshitaka, que não queria ensinar, recusou no começo, mas como não conseguiam encontrar outro, pressionaram-no e ele finalmente aceitou. Quando começou ocorreu uma nova evolução. Se alguém me perguntar qual era a prinicipal diferença entre Gichin e Yoshitaka, era o kumite, Yoshitaka fazia só kumite, enquando o seu pai era só kata.
Por outro lado Yoshitaka praticou o “bo”. Ninguém sabe a que nível chegou, mesmo os seniors Egami e Okuyama, não o sabiam. Disse-me Higaonna, Goju ryu Okinawa , que, trabalhando com “bo” ou um sabre de madeira, a maneira como se usa os músculos do corpo é totalmente diferente se se trabalha só com as mãos.
O conceito de Gichin era ginástica e de Yoshitaka, kumite. O sistema técnico mudou, mas isso não era o mais importante pois o uso do corpo mudou totalmente. Quando Yoshitaka aceitou e começou a ensinar na universidade o seu Karate era muito popular e os números começaram a subir. Então começaram a sonhar um pouco para ter o seu próprio dojo. Era necessário dinheiro e o problema era como obter o dinheiro. Para isso, em 1935 fundou-se a Associação de Shotokai do Japão, cujo o presidente era sensei Gichin e vice-presidente sensei Yoshitaka. Os estudantes que já se tinham graduado na universidade e estavam a trabalhar entregaram bastante dinheiro à associação. Yoshitaka trabalhava na Escola Médica da Universidade Imperial de Tokyo, era técnico chefe do departamento de raios X. Todo o dinheiro que arranjou foi para ajudar a criar o dojo.
Em 1938 o sonho tornou-se realidade. Em 1939 foi inaugurado, aquele que foi chamado: “O grande Dojo Shotokan do Japão”. Foi nessa altura que começaram a fazer as regras da passagem de graduação. O mestre Yoshitaka com a ajuda de Egami começaram a fazer um sistema para a passagem de graduação, kata Taikyoku, kata Ten-no, kata Chino, Matsukase (Bo).
Foi nesse dojo onde eu comecei em 1943, mas após a guerra a ocupação americana chegou.

Porque começou a praticar o karate?
MH: Um amigo meu explicou-me que com nukite poderia ser posta a mão dentro do corpo e arrancar um órgão o que me interessou, mas como pode ser possível? Isso era estúpido mas nesse tempo, eu era pequeno, e acreditei. Também vendo demonstrações, via quebras de telhas e sentia medo. E isso interessou-me.

O seguinte texto é uma compilação das minhas conversações mantidas com Sensei Harada durante os quase 5 dias que permaneceu entre nós.
Sobre o Shotokai e a JKA.
A JKA foi criada para reunir os diversos estilos de karate e para isso se contatou com o Wado Ryu, que acabou por não aceitar, e por essa razão associou-se mais tarde com o Shotokan. Na primeira JKA criado em 1949 também estavam Hironishi, Noguchi, Kamata. Egami estava em Kyu Shu e não se associou.
É necessário considerar que Gichin dava aulas em alguns dojos que não eram filiados na JKA e logicamente queriam os seus diplomas de graduação, Gichin era quem as assinava como presidente do Shotokai. Assim começou a aparecer o Shotokai a dar graduações. Quando Egami ficou com alguns dos Dojos de Gichin assinava pelo presidente do Shotokai. Com a morte de Gichin, Egami que passou a assinar as graduações.
Um outro problema que se levantou foi porque Hironishi tinha prometido a Yoshitaka que plublicaria o livro Karate-Do Nyumon, de 1943, que fêz em 1950, mas usou o nome da JKA como a organização que o publicara o que não foi bem aceito na JFK e por isso Hironishi abandonou-a. Mas como Hironishi dava aulas em Chuo e em Senshu estas universidades viram-se com um problema e também abandonaram a JKA.
Nessa altura Takagi e Nakayama tinham aberto um dojo e por seu lado também davam graduações, o que fez estourar a unidade da JKA. Waseda decidiu separar-se e ter seu próprio sistema dos graus. Por tudo isto a JKA ficou praticamente só com a universidade de Takushoku.
Nakayama no princípio não fazia parte da direção da JKA mas, posteriormente assumiu uma posição de privilégio.

Estilos dos Mestres e histórias sobre eles.
Hironishi e Yoshitaka tinham estilos totalmente diferentes. Hironishi seguia um estilo muito parecido ao de Gichin, com um Karate muito robotizado e com os deslocamentos em meia lua. Era o instrutor principal do Dojo Shotokan, só às vezes aparecia Yoshitaka para fazer treino livre com algum faixa preta, contudo nem sempre aceitava treinar com qualquer um, dependendo da atitude de cada um faixa preta. O karate de Yoshitaka era muito dinâmico, elástico, com origem no seu estudo do “Bo”. Tinha estado em Okinawa por várias vezes para aprender o Karate e o “Bo”.
Sobre Hironishi conta-se que andou a estudar russo, e nessa época, a polícia andava muito atenta a elementos suspeitos e embora ele não fosse "vermelho" foi apanhado pela polícia a distribuir panfletos na rua e por isso esteve preso 7 meses. Ao voltar aos treinos, comenta Harada, Yoshitaka tinha mudado um pouco o estilo e já Hironishi se punha à parte a treinar ao velho estilo e Yoshitaka integrou-o no grupo.
O kamae de Yoshitaka era em fudo-dashi com a mão da frente em tate-shuto-uke com o braço um pouco flectido e a mão de trás aberta com a palma para cima à altura do plexo. Mestre Harada recorda como deitava abaixo todos os que o atacavam, sem dificuldade aparente, quando se lembra que o impressionou quando estava no Shotokan.
Os que se podem chamar como estudantes de Yoshitaka, eram Okuyama, Egami e Muramatsu da Universidade de Waseda, e Morihana e Miyata de Takushoku.
Actualmente estão vivos do dojo Shotokan, que Mestre Harada saiba: Kase, Hayashi e Uemura, que tem agora aproximadamente 90 anos. Okuyama só ia treinar de tarde com Yoshitaka. Okuyama tem agora 83 anos. Takagi Jotaro, actual presidente do Shotokai, também treinou com o Yoshitaka na universidade.
Dos kata que Yoshitaka desenvolveu, Egami conheceu Chinno Kata mas não consegiu retê-lo e quando Mestre Harada lhe perguntou ele disse que tinha muita pena mas que se tinha esquecido. Havia um outro kata mas não chegou a desenvolvê-la devido à morte de waka sensei (Yoshitaka).

À cerca do Shotokai
Com a morte de Gichin, Egami e Hironishi decidiram que a presidência seria para a família de Funakoshi. Egami ficou como o diretor técnico e Hironishi como presidente. Por essa razão com a morte do último filho de Funakoshi a posição foi deixada vaga e nunca ocupada. Hironoshi tomaria conta da administração deixando a parte técnica para Egami. Por isso, embora seus estilos de Karate fossem totalmente diferentes, nunca colidiram. Unia-os uma grande amizade. As suas maneiras de ser eram opostas, Hironishi tinha uma mente lógica, rígida na opinião de Mestre Harada e Egami era uma pessoa emocional, embora nunca o deixasse transparecer durante os treinos.
É necessário ter em conta que davam aulas nas mesmas universidades e isto causava uma situação de dúvida perante as diferenças do karate. O karate de Egami era identificado, pelas pessoas que tinham treinado anteriormente nas universidades com Waka Sensei, como o Karate de Yoshitaka.

O grupo de Nakano.
Yoshitaka pediu a Okuyama para tomar conta de um grupo de contra-espionagem do exército japonês, que tinham solicitado Yoshitaka como o instrutor. Nesse grupo também estavam Egami, Kamata. Um dos objetivos do grupo era introduzir-se nas linhas inimigas e fazer prisioneiros. Este grupo fêz testes com prisioneiros para verificar a eficácia dos golpes. Okuyama verificou que os golpes, tal como os estavam usando até esse momento não eram eficazes, quer dizer, o mito do golpe único do karate não funcionava e começou a experimentar e assim mudou a técnica.
Esta situação ocorreu dada a circunstância que Kamata era senior de Okuyama na Universidade de Waseda e era júnior no grupo Nakano, também de Okuyama. Kamata competia sempre com todos e não suportava ter Okuyama sempre em cima dele. Quando o exército solicitou uma exibição do grupo a Okuyama para fazer uma demonstração Okuyama não quis, mas Kamata desafiou-o. Por fim Okuyama aceitou e o resultada foi de Kamata por terra ao primeiro golpe.

Okuyama Tadao.
Tadao Okuyama era o principal aluno de Yoshitaka. Estudante da universidade de Waseda, o seu karate era, de acordo com Mestre Harada, difícil de compreender. Era costume ter problemas nos treinos assim que aparecesse Kamata. As suas acaloradas discussões na universidade ainda estão na memória de Mestre Harada. Os seus conceitos eram totalmente diferentes, Kamata seguia Noguchi, com um karate muito contraido e Okuyama seguia Waka sensei. Um dia, desapareceu, foi para uma montanha e reapareceu após algum tempo com o cabelo comprido e a roupa andrajosa. Durante os anos seguintes não quis mais saber de nada nem de ninguém.

Histórias sobre Okuyama:
Na universidade viviam em casas de 5 pessoas. Mestre Harada estava na mesma casa que Okuyama. Diz que lhe havia noites em que Okuyama o acordava para lhe dar pancadas no ombro olhando-o fixamente e passado um bocadinho mexia a cabeça no sentido negativo sem dizer nada e desaparecia. Repetia isto diversas vezes durante a noite e Mestre Harada recorda que chegava arrasado às aulas.
Outras vezes passava toda a noite a olhar para uma vela na obscuridade e se lhe perguntassem se estava a observar as oscilações, direita, esquerdo, dizia: "não, não, só a olhar".
Noutro dia Mestre Harada encontrou-o a dar murros a uma pequena vara que tinha amarrado por um cordel e pendurada do teto. E disse ele: "Harada, é muito difícil parti-lo, quando dou por um lado ele vai para o outro" e foi assim toda a noite.
Num curso de verão, que costumavam fazer com outras universidades, tiveram problemas com os mosquitos e tinham que dormir em grupos, em colchões com redes mosqueteiras. Okuyama ficou a olhar fixamente para uma tábua de madeira que tinha atirado para o chão e dizia: "parece confortável", apanhou-a e sem rede nem nada pôs-se a dormir nela.
Em Outubro de 2001 Mestre Harada esteve com Okuyama, em sua casa no Japão. Diz que o convidou para umas cervejas e durante a conversa mostrou-lhe um exercício com bokken como prova do seu nível técnico. Nisto, Okuyama pergunta a Mestre Harada se achava possível sobreviver, só a cerveja, um ano inteiro e perante a resposta duvidosa de Mestre Harada, disse Okuyama: "sim pode, eu fi-lo, mas perde-se um pouco de musculatura." (!!)
Mestre Harada diz que ele era um génio, exêntrico, mas gênio.
A nível técnico Egami dizia que Okuyama tinha superado Yoshitaka. Mestre Harada, que treinou diariamente com Egami durante 18 meses, enfrentou Okuayama quando Egami pensou que ele estava preparado. Mal tentou fazer kamae já estava no chão. Okuyama disse-lhe para fazer kamae outra vez, e nem assim, ao seu primeiro movimento e já estava no chão. Okuyama disse a Egami, mas que andas a ensinar-lhe? E um partiu. Egami disse-lhe: "não compreendo Okuyama, não consigo, paro, paro".
A nível técnico Okuyama tinha um sistema de absorver para devolver, com o uso de todo o corpo relaxado, mas com musculos explosivos , tal como uma serpente a atacar.
Um dia, viam um treino em Waseda de Okuyama uns seus amigos que faziam sumo. Quando viram que davam um passo e a seguir relaxavam o braço perguntaram a Kamata porque davam o passo se não o aproveitavam (estilo velho). Em suma o impulso explosivo inicial acompanha a projeção dos braços, essa é a maneira de Okuyama.

Iñigo Lopez Menéndez
Maio 2002”

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