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terça-feira, dezembro 25, 2007

O SENSEI DO SENSEI

Já faziam quase três anos que eu praticava Karatê e estava com uns 18 anos de idade; treinava duro, batia Makiwara, treinava Kihon e Kata com pesos nas mão e nos tornozelos, mas mesmo assim continuava sempre aflito e fazendo perguntas ansiosas ao meu velho Sensei, na ânsia de aprender mais e não conseguia apaziguar meu espírito.

Igual a um mestre cozinheiro, meu velho Sensei apenas nos dava a receita e deixava que nós fizéssemos o “bolo” e depois que executávamos inúmeras vezes, ele fazia as devidas correções e mostrava o caminho certo. Mas eu queria mais. Queria que ele me mostrasse imediatamente qual era o caminho mais rápido para eu me transformar em um grande lutador e atleta. Foi então o meu Sensei resolveu me mandar a outra capital como visitante, para ter uma aula especial com um Sensei que ele dizia ter grande conhecimento.


Ansioso, cheguei muito cedo no endereço indicado e fiquei esperando à porta de entrada, pensando, “a que horas será que o Dojô abre”?
Havia viajado mais de vinte horas em ônibus de Porto Alegre até São Paulo, tendo pegado ainda outro ônibus urbano e estava cansado. Sentado sobre minha mochila e recostado na porta do Dojô fiquei imaginando como seria esse professor tão qualificado e recomendado pelo meu Sensei o qual eu nunca conhecera. Em pensamento eu o imaginava como alguém de um poder fenomenal, capaz de incríveis acrobacias.


Estava absorto nos meus pensamentos de cabeça baixa quando, sem erguer o meu olhar, percebi alguém que passou por mim, de bermudas e sandálias de borracha, carregando uma sacola de plástico e entrou em uma porta logo após a que eu estava.


Alguns minutos depois ouvi barulhos na parte interior do Dojô como o barulho surdo de um tambor. Passaram-se uns dez minutos e então quando resolvi bater à porta, a mesma foi aberta e fui recebido por um velhinho simpático, vestido com uma camiseta, calças de um Karatê-Gi no meio das canelas e sandálias de borracha.


- “Bom-dia! Eu sou o Estivales e estou aqui para ver o Sensei..." O velho sorriu e me interrompeu dizendo “Bom-dia, eu sei, eu sei!” e mandou-me entrar.
Pensei: “Será que é esse o Mestre?” Enquanto caminhava para o interior do Dojô olhando atentamente em volta, muito embora desconfiasse de que ele na realidade, seria “o Mestre”, ficava imaginando e treinando mentalmente o que diria a esse professor, que o meu Sensei considerava um verdadeiro Budoka. Mas, por outro lado, diante da sua idade e do seu aspecto físico franzino, não estava sinceramente convencido de que ele poderia ensinar-me outra coisa que não fosse apenas filosofia oriental, porque de cima do meu orgulho me sentia preparado para qualquer treino ou luta.
Sempre seguindo o meu guia, passei pela porta de um salão com soalho de madeira polida onde havia demarcado um koto onde havia um makiwara e balançava um saco de pancadas. Ele não se deteve e fomos para os fundos, onde havia uma cozinha.
Então o velhinho me disse: - “Primeiro vamos tomar um café”.


Eu sempre cheio de etiqueta, desconfiado de que ele era o verdadeiro Sensei, tentava conversar com o velhinho, dizendo quem era o meu professor e porque viera ali, e o que gostaria de aprender, ao que ele apenas me respondia com um aceno de cabeça, dizendo “huhm- huhm! Huhm-huhm!”.Terminamos o café e então ele me disse: - “Agora você poderá ir ver o Sensei”. Minhas dúvidas se desvaneceram e eu fiquei pensando: “Então não é este o Sensei!?”.


Levantei-me rapidamente, peguei minha mochila e o segui pelo longo corredor novamente, mas, quando dei por mim, já estava, de novo saindo para a rua, pela mesma porta lateral por onde anteriormente ele próprio havia entrado.


Então parei e voltei-me para o velho: - "Mas onde está o Sensei!?"
Então ele, a sorrir disse-me, com aquele peculiar sotaque japonês, como querendo fazer um trocadilho:
- Então você vai ter que voltar de onde veio, porque só seu “Sensei pode lhe ensinar o que sei”! Hi hi hi hi! E sempre a sorrir, como se aquilo fosse muito engraçado, fechou a porta.Fiquei aturdido pensando no que fazer, se voltar imediatamente para casa ou permanecer ali e insistir em ser recebido para não perder a viagem.


Sentei-me no meio fio da calçada, em frente ao prédio pensativo e então comecei a perceber que aquilo que eu procurava sempre estivera lá onde eu estivera e que muitas das coisas, às quais não damos o devido valor, são as mais valiosas que há e estão junto a nós.


Dei-me conta, então, que somente meu professor poderia me conhecer realmente e saber quais as tarefas que eu precisava realizar no Karatê. Somente ele poderia saber onde eu havia evoluído ou onde eu havia decaído, ou saber meus defeitos e minhas qualidades.


Os preconceitos que eu tinha dentro de mim e a idéia formada de como seria bom treinar com um Grande Mestre, que dava aulas em um grande centro, tendo dezenas de faixas pretas sob sua responsabilidade, tinham feito com que aquela viagem tivesse sido “quase” em vão.
Uns dez ou quinze minutos depois a porta principal foi aberta por uma senhora e os primeiros alunos começaram a chegar. Então atrevi-me também a entrar e procurar novamente o Sensei para lhe apresentar minhas sinceras desculpas. Finalmente ele me disse: “Suas aflições e suas dúvidas são iguais a essa mochila que você está carregando nas costas. Você está muito aflito, ansioso e com muitas dúvidas. Livre-se disso e procure o melhor dos Senseis, que está em você mesmo, porque nós professores apenas podemos sugerir”.


Depois mandou-me trocar de roupa e colocar meu Karate-gi. Naquela sessão de treino, depois de perfilar e fazer o cerimonial inicial, deixou-me sentado, durante o tempo todo, em um canto do Dojô. Porém, naquela aula aprendi muito apenas olhando, compreendi o verdadeiro espírito do Karatê muito mais do que durante todo o tempo de prática.


Em outras três aulas que participei com aquele Sensei, tive a oportunidade de verificar que as aparências enganam e vi que a experiência pode suplantar a força e o vigor físico. Diante dele minhas técnicas pareciam nunca dar certo e os meus katas pareciam sem Kime e sem vida... Então, igual a um médico, ele apontou meus erros e me sugeriu um treinamento particular.Voltei para casa pensativo...


Até hoje, muitos anos após o acontecido, ainda reflito bastante sobre isso e tiro várias conclusões dessa história e cada vez que lembro disso descubro algo novo naquilo que ele me disse e tento valorizar, considerar, respeitar e prestigiar o meu Sensei e também a todos os Senseis que me ensinaram qualquer coisa na vida.


Apesar de ter aprendido que o conhecimento também está em nós mesmos, como o fogo está no fósforo, hoje percebo que somente os nossos professores, que nos acompanham na nossa trajetória, sabem o que nos é mais indicado, mas às vezes a venda do nosso orgulho não nos deixa ver ou reverenciar isso.
Autor: Cesar Estivales

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